Café com leite

De Wiki Cambuí
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Eu tenho 11 anos, moro em Muriaé, acordo de manhã para ir para a aula, estou fazendo Admissão, sinto um cheiro bom e forte de café. Minha mãe está fazendo café na cozinha e deve ser isso. Tomo meu café com pão, pego os cadernos e vou para o ginásio. Mas na rua o cheiro de café continua. E por toda a cidade há um cheiro de café.

No colégio, numa sala de aula do segundo andar, dá para ver o motivo. Na beira da estrada Rio-Bahia, depois que a cidade termina e passa o rio, uma montanha de café foi formada de madrugada, caminhões e mais caminhões despejando sacos de café em grão. Tochas feitas de estopas com óleo queimado foram jogadas sobre a montanha. O café não queima em chamas, as tochas afundam formando brasas e cinzas, e o vento sopra a fumaça e o cheiro para a cidade. A cidade vai ficar muitos dias cheirando o café, quando a montanha diminui, caminhões chegam com mais sacos, a montanha se refaz e torna a diminuir. Ao redor da montanha, soldados armados com fuzis.

Dias depois, um colega de serviço de meu pai tem que fazer um serviço em Cataguases, próximo a Muriaé. É sábado, e vamos os três num carro da Empresa Construtora Brasil como num passeio. E passeio numa camionete é tudo que um menino de 11 anos quer para não ter que ir à aula naquele sábado de manhã.

O escritório da Empresa ficava nos arredores da cidade, de forma que, saindo da estrada asfaltada, entramos por uma estrada de terra e, ao passar por uma ponte, vimos um rio branco - um rio todo branco. Muito estranho, mas não dura muito o mistério. Mais acima havia uma outra ponte, os caminhões em fila paravam sobre ela e despejavam seus latões de leite sobre o rio.

Debaixo da ponte, dentro d´água, umas crianças com vasilhas tentavam pegar um pouco do leite que caia ou o bebem com a boca aberta, com o que pegam com as mãos.

Às vezes, quando tome café com leite, penso nisso.

accafecomleite.jpg

No final do filme Kuhle Wamp (Dudow, Brecht, 1932), no trem, as pessoas conversam sobre o café, inclusive a queima no Brasil.

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